sábado, 14 de maio de 2011

A GREVE EM ALAGOAS


É grave a situação por que passa Alagoas, isso sem considerar o pior: a concretude da perenização deste estado de coisas. Como se não bastasse a desordem do serviço público no município de Maceió, com ruas sujas, praças invadidas e fétidas, trânsito caótico, etc, etc, etc, o que já aflige, em demasia, a vida cotidiana dos cidadãos, surge, novamente, o problema da greve dos servidores públicos estaduais. 

De logo, afirmo que não há como ser contra a utilização deste instrumento para os funcionários, porquanto assegurado, como direito, pela Constituição Federal. Parece-me que, como em muitos outros casos, o constituinte deslumbrado ante a queda da ditadura militar brasileira, estabeleceu uma série de prerrogativas sem medir conseqüências. Em democracias bem mais sólidas que o Brasil, como na Alemanha, a greve no serviço público é terminantemente proibida. E, nos Estados Unidos, há fortes restrições impostas, com possibilidades, inclusive, de prisão para os grevistas.  

Entre nós, conforme já escrevi neste blog, a Carta Constitucional deixou para o legislador ordinário a regulamentação da greve no serviço púbico, o que nunca foi feito pelo letárgico legislador ordinário. E, mais uma vez, a questão foi endereçada ao Supremo Tribunal Federal, o qual sinaliza, já há algum tempo, para restrição no pertinente aos serviços considerados essenciais (Reclamação 6568/2009 ).  Demais, é preciso firmar que, em relação aos militares, inclusive bombeiros, há proibição expressa na Constituição (142, §3º, IV: “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”). 

É inegável o direito dos funcionários de reivindicar melhores condições de trabalho e, sobretudo, melhores vencimentos, ou ao menos, vencimentos compatíveis com as suas respectivas funções, corrigidos em razão da espiral inflacionária, que atendam, no mínimo, às necessidades básicas de uma família. No entanto, o instrumental para uma reivindicação de tal natureza não pode colidir, em nenhuma hipótese, com os direitos e interesses dos cidadãos. É que, no Estado Democrático de Direito, o conflito entre os direitos dos servidores e os direitos dos cidadãos resolve-se, sempre, em favor dos últimos. O direito do cidadão, do contribuinte, do povo a ter serviços prestados por funcionários do Estado é maior que direito de greve destes últimos. 

Se a profissão escolhida não remunera bem, se o ente público não atende as expectativas, se o indivíduo acha que tem capacidade e possibilidade de ganhar mais, deve procurar a iniciativa privada. “A opção pela carreira pública é personalíssima, ninguém nela deve permanecer quando entenda lhe está sendo exigido demasiado sacrifício”. O servidor público, já se disse, “é um servidor da comunidade e não servidor de si mesmo”, seus direitos são estritamente condicionados aos seus deveres junto à sociedade. 

A ausência de legislação regulamentadora, que se faz urgente, obriga ao poder público controlar as possibilidades de greve em cada caso concreto. Não é mais aceitável, porém, admitir a baderna protagonizada por grupos que atingem frontalmente os interesses do cidadão e da comunidade, tampouco ser complacente com o ócio de servidores que simplesmente cruzam os braços enquanto são pagos pelo combalido trabalhador brasileiro. Não é mais possível transigir com os pelegos em busca de cargos e outras vantagens pessoais, algo que permanece como uma praga em Alagoas. Não é mais admissível permitir a intromissão da politicagem que sustenta vantagens pessoais e eleitoreiras. 

Por óbvio, os servidores não podem ficar a mercê de déspotas ou de administradores incompetentes. É fundamental que tenham amplo acesso e participação sobre a situação orçamentária e financeira do Estado, contando com rígidos mecanismos punitivos para os maus gestores, inclusive com a imprescritibilidade das infrações administrativas e dos crimes contra o erário por eles praticados. Todavia, já não se pode olvidar que o direito à greve, consoante se depreende de uma interpretação sistemática da Constituição, é um direito de defesa contra o Estado-Administração e não um direito de defesa contra o povo. Só nessa assertiva temos um bom começo para delinear seus limites e começar a impor duras penalidades aqueles que causarem danos à comunidade.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O DIA DE ONTEM: PROTAGONISMO DO SUPREMO E RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DOS CASAIS HOMOSSEXUAIS


O Supremo Tribunal Federal fez história na tarde de ontem. Por unanimidade, a Corte Constitucional Brasileira firmou o reconhecimento da união entre os casais homossexuais, os quais devem desfrutar de direitos semelhantes atribuídos aos pares heterossexuais. O decisum, para além de demonstrar a irradiação dos princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade, fundamenta-se em uma lógica de razoabilidade que distingue, cristalinamente, sexualidade de sexo. E mais, na linha de racionalidade, sem paixões, sem crendices, sem preconceitos, pode-se pontuar como fez o Min. Gilmar Mendes: “o fato da Constituição proteger a união estável entre o homem e a mulher não significa negar a proteção a união do mesmo sexo”, declarada, corretamente, por Lewandowski como entidade familiar.

Chama atenção, no entanto, a rapidez de reação dos setores conservadores, os quais já cravam sua principal crítica na ausência de legitimidade da Corte. Segundo eles, uma decisão de tal magnitude deveria advir do Congresso, o único legitimado para fazer valer a vontade da maioria.

Mas, é preciso não esquecer, antes que se retome a já conhecida cantilena imbecil do “governo dos juízes”, que nos países democráticos, o Poder Judiciário é legitimado a intervir para fazer valer a racionalidade, observado, por evidente, os postulados existentes na Carta Constitucional que lhes serve de guia e, ao mesmo tempo, de limite.

No Brasil de hoje, que conta com uma democracia representativa e não participativa, nossos parlamentares se acovardam no momento de enfrentar os temas polêmicos. Será que não recordamos das campanhas políticas em que conhecidos ateus beijam até os pés dos santos?  Não é por acaso, todos sabem, que os projetos polêmicos dormem eternamente em um Congresso pautado pelo fisiologismo. Então, deve-se estranhar menos o protagonismo do Judiciário.

Eu não sei o que pensa sobre o tema a maioria do povo brasileiro, até imagino. Entretanto, não podemos perder de vista, como nos ensina FERRAJOLI, que o primeiro comando de todo e qualquer pacto constitucional não é precisamente que tudo se deva decidir pela maioria, porém que nem tudo se pode decidir (ou não decidir), nem mesmo pela maioria. Nenhuma maioria pode, por exemplo, decidir a supressão de uma minoria. A democracia, arremata o escritor peninsular, por mais perfeita que fosse, seria um regime absoluto ou totalitário, se o poder do povo for nela ilimitado. Não esqueçamos a lição de que o atual Estado Democrático de Direito – superação dos modelos liberal e social – tem como esteio um conjunto de normas que obrigam entre si o próprio Estado e o cidadão, tornando, ambos, sujeitos de soberania reciprocamente limitada.    

O direito à isonomia, ontem assegurado aos casais gays, de modo algum significa que eles são iguais aos casais heterossexuais, entretanto, embora haja, sim, diferenças, sobretudo na opção ou vocação de sexualidade, eles devem possuir as mesmas oportunidades jurídicas. A dignidade da pessoa humana, encartada como norma jurídica constitucional, por mais abstrata que seja, determinou um espaço de irradiação que os juízes do Supremo foram obrigados a observar. É que o princípio matiza-se em razão das características e do âmbito onde será aplicado, sempre irradiando efeitos obrigatórios. Ele, e os direitos fundamentais previstos na Carta Constitucional, como quer PÉREZ LUÑO, servem de base para a interpretação de toda ordem jurídica; de postulados-guias para nortear a hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição e de critérios para apreciar a legitimidade das múltiplas manifestações do sistema de legalidade. Foi o que assistimos no dia de ontem.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

SOBRE OS EFEITOS MEDICINAIS DA CANNABIS SATIVA

O artigo que segue, publicado na Folha de São Paulo (02.05.2011), é do doutor em neurociências da Universidade de Brasília, Renato M. Lopes, e demonstra bem o atraso brasileiro no que tange à legislação sobre a manipulação e uso medicinal da maconha no Brasil. Com base em pretextos medievais, religiosos, autoritários e preconceituosos que beiram a esquizofrenia, estamos perdendo para vários países em avanço no tratamento médico e, pior, deixando pacientes sem possibilidades terapêuticas que poderiam tratar e aliviar moléstias e dores lancinantes. 

Maconha, uma planta medicinal 

"Houve época em que o uso de determinadas plantas medicinais era considerado bruxaria, e às almas das bruxas restava receber benevolente salvação nas fogueiras da Inquisição. Atualmente, o estigma que a maconha carrega faz, para muitos, soar como blasfêmia lembrar que se trata, provavelmente, da mais útil e bem estudada planta medicinal que existe.
Pior, no Brasil, se alguém quiser automedicar-se com essa planta, mesmo que seja para aliviar dores lancinantes ou náuseas insuportáveis, será considerado criminoso perante uma lei antiética, sustentada meramente por ignorância, moralismo e intolerância.
Apesar de sua milenar reputação medicinal ser inequivocamente respaldada pela ciência moderna, no Brasil, a maconha e seus derivados ainda são oficialmente considerados drogas ilícitas sem utilidade médica. Constrangedoramente, acaba de ser anunciado, na Europa e nos EUA, o lançamento comercial do extrato industrializado de maconha, o Sativex, da GW Pharma.
Enquanto isso, nossa legislação atrasada impede tanto o uso do extrato quanto o uso da planta in natura ou de seus princípios isolados.
Consequentemente, pessoas em grande sofrimento são privadas das mais de 20 propriedades medicinais comprovadas nessa planta.
Um vexame para o governo brasileiro, já que, em países como EUA, Canadá, Holanda e Israel, tais pessoas poderiam, tranquila e dignamente, aliviar seus sofrimentos com o uso da maconha e ver garantido seu direto de fazê-lo com o devido acompanhado médico.
Ingeridos ou inalados por meio de vaporizadores (que não queimam a planta), os princípios ativos da maconha podem levar ao alívio efetivo e imediato de náuseas e falta de apetite em pacientes sob tratamento quimioterápico, de espasmos musculares da esclerose múltipla e de diversas formas severas de dor -muitas vezes resistentes aos demais analgésicos.
Pesquisas recentes indicam também o potencial da maconha para o tratamento de doença de Huntington, do mal de Parkinson, de Alzheimer e de algumas formas de epilepsia e câncer. A redução da ansiedade e os efeitos positivos sobre o estado emocional são valiosas vantagens adicionais, que elevam sobremaneira a qualidade de vida dessas pessoas e, por conseguinte, seus prognósticos.
A maconha não serve para todos: há contraindicações e grupos de risco, como gestantes, jovens em crescimento e pessoas com tendência à esquizofrenia. Em menos de 10% das pessoas o uso descontrolado pode gerar dependência psicológica reversível. Mas, ponderados riscos e benefícios, para a grande maioria das pessoas, a maconha continua a ser remédio seguro.
A biotecnologia brasileira tem todas as condições para desenvolver variedades com diferentes proporções de princípios ativos, reduzindo efeitos colaterais e aumentando a eficácia das plantas (ou de seus extratos) para cada caso.
Indiferente, contudo, à ciência e à ética médica, a atual legislação brasileira sabota nossa pesquisa básica, clínica e biotecnológica nessa área de ponta e impede por completo a exploração assistida das preciosas e baratíssimas propriedades medicinais dessa planta.
É hora de virar esta página carcomida pelo obscurantismo e pelo desdém com o sofrimento humano, fazendo valer não apenas direitos fundamentais dos indivíduos mas também as próprias diretrizes da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que, segundo o Ministério da Saúde, tem por objetivo: "garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional".