quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ESQUIZOFRENIA PROCESSUAL PENAL E OS DISCURSOS INTERESSADOS


Com 11 longos anos de experiência na mais alta Corte de Justiça do Brasil, a Ministra Ellen Gracie, que acaba de sair do Supremo Tribunal Federal, em entrevista a revista Veja (Edição 2232 de 31.08.2011 - clique aqui), fez ecoar duas afirmações que venho atestando, há tempos, em minha atividade acadêmica (em aulas e congressos) e na própria magistratura:


1ª) “No Brasil, depois da redemocratização, passamos por um período de rechaço a tudo que significasse repressão. Mas qualquer país democrático precisa ter repressão ao crime. É preciso que haja conseqüência para o delito, que o Direito Penal seja efetivo.”


2ª) “O sistema de recursos e nulidades do Processo Penal brasileiro é inacreditável, quase impede uma condenação. Um advogado tem à sua disposição um arsenal quase infinito de manobras para dificultar o desenvolvimento do processo.” 


Impressiona que uma Ministra do Supremo veja como “inacreditável” o sistema recursal, que taxo de esquizofrênico, e ninguém faça nada. Pior: a reforma processual penal prevê aumento do número de recursos. 

A quem interessa um processo marcado por procedimentos extremamente formais e burocratizados, que traz um regramento de nulidades absurdo e possibilidades "quase infinitas de manobras"? 

Já perguntaram quem está laborando com os anteprojetos processuais no Brasil? Já indagaram porque não fazemos, nestes aspectos, nenhuma análise comparada com os países centrais e mesmo os nossos vizinhos da América do Sul?  

A quem interessa, descontados os ignorantes, atribuir somente ao Judiciário, como se não houvesse um Sistema de Justiça Penal, com a polícia, o Ministério Público, os advogados e o próprio Executivo no gerenciamento do segmento de execução, a culpa pela lentidão dos processos?

A quem interessa confundir o sistema de Direitos Humanos com as im(p)unidades intra e extra-dogmáticas?

Quem ganha com esses discursos travestidos de "científicos"? 

Quem lucra com isso?

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A TUTELA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O texto que segue é parte do artigo a "Vítima e a Reforma do Código de Processo Penal" publicado nos anais de curso de Aperfeiçoamento da Escola Superior da Magistratura.


Mesmo quando se trata de direito privado, já não mais é possível olvidar a necessidade de ter a pessoa como fundamento das relações civis. Neste rastro, de há muito, a doutrina mais abalizada tem fixado que no suporte fático de quaisquer fatos jurídicos, de que surge direito, há, indispensavelmente, alguma pessoa como elemento do suporte (PONTES DE MIRANDA). A Constituição de 1988 foi, sem dúvida, uma baliza importante no respeitante aos chamados direitos da personalidade, porquanto reconheceu expressamente sua tutela. Faltava, todavia, a adequação devida, pela obrigatória compatibilidade, da lei processual penal em relação ao ofendido.

Os direitos da personalidade caracterizam-se, entre outras particularidades, por sua natureza não patrimonial, por sua intransmissibilidade, irrenunciabilidade, inexpropriabilidade e pela circunstância de serem inatos e essenciais à realização da pessoa. Discute-se, doutrinariamente, acerca da atipicidade dos direitos da personalidade, caracterizada por uma série aberta de direitos, ou sua tipicidade, condizente a uma série fechada destes mesmos direitos, extraída não só da Constituição, como da legislação constitutiva infraconstitucional (PERLINGIERI). A enumeração típica dos direitos da personalidade é extensa, perpassando do direito à vida ao direito geral à liberdade, interessa-nos, aqui, o direito à liberdade, à integridade física e psicológica, à privacidade e à reputação, pois dizem respeito, imediatamente, à proteção da vítima durante o processo penal. 

Os cuidados com a vítima introduzidos com os §§ 2º, 4º, 5º e 6º do artigo 201 do CPP, dizem respeito, exatamente, à proteção prática destes direitos a cargo do juiz e durante o processo. 

Agora, é obrigatória a comunicação ao ofendido dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à sentença e às decisões posteriores que a mantenham ou modifiquem. Neste caso o direito da personalidade protegido é o direito à liberdade. Com efeito, liberdade é, também, o direito de não estar subjugado a outrem, não se sentir ameaçado ou amedrontado, poder conduzir o seu modo de vida sem tais constrangimentos. A comunicação sobre a prisão ou a soltura do acusado, ou a comunicação sobre o seu destino, determinado pelas decisões finais, sinalizam, para a vítima, o modo através do qual deve ela proceder no seu cotidiano, como, por exemplo, os lugares em que poderá freqüentar com tranqüilidade e os locais em que deverá guardar precaução; os padrões de segurança que deverá adotar para si e para os seus.


O atendimento multidisciplinar ao ofendido, especialmente aquele referente às áreas psicossocial e de saúde será custeados, segundo ordena a legislação (§ 3º do art. 201), pelo acusado ou pelo Estado, consoante determine o juiz. Evidencia-se, modernamente, a tutela do direito à integridade física e psicológica da vítima, durante o curso do processo, em face da necessidade de reequilíbrio da sua saúde física e mental abaladas pela consecução delitiva. Neste aspecto, parece-nos que há necessidade de ajuste interpretativo da regra em relação à Constituição por força da presunção de não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII), de modo que não podemos interpretá-la literalmente. Seguindo o norte constitucional é inadmissível que o acusado, antes da decisão condenatória transitar em julgado, custei qualquer atendimento ao ofendido. Nessa fase, quem pode e, sendo preciso, deve fazê-lo, é o Estado. Condenado o réu, o juiz ao fixar a necessária indenização, deverá indicar o quanto o Estado gastou com aquele atendimento, viabilizando, posteriormente, “o valor devido ao Estado que deverá ser inscrito como dívida ativa” (IVAN SILVA).


Por derradeiro, o juiz deverá assegurar, no processo e mesmo na fase pré-processual, a “preservação da intimidade”, “vida privada”, “imagem” e “honra” do ofendido, a teor da exata dicção do § 6º do artigo 201. Os três primeiros casos decorrem de um direito muito especial da personalidade, o direito à privacidade, o qual resguarda de interferências externas “os fatos da intimidade e da reserva da pessoa que não devem ser levados ao espaço público” (PAULO LÔBO).  Enquanto a vida privada diz respeito a direito inerente ao ambiente familiar e cuja ofensa pode incidir nos demais membros do grupo, a intimidade revela-se como direito de exclusiva reserva individual e, por fim, o direito à imagem concerne ao resguardo do retrato, da fotografia, da filmagem, da efígie. O último caso, a honra, não se confunde com a imagem e é atinente ao direito à reputação. Esse direito da personalidade assegura “o respeito, a consideração, a boa fama e a estima que a pessoa desfruta nas relações sociais” (PAULO LÔBO). E, quando se fala em pessoa, não importa que não se conduza de modo tido por ético, ou seja considerada degradada na escala social. Todos os seres humanos têm o direito ao minimum de respeito por parte dos outros homens (NELSON HUNGRIA).

   
Não só foi pensando na pretendida celeridade processual, mas, neste caso, principalmente na homenagem ao direito à privacidade do ofendido, que a reforma processual penal, consoante estatuído no § 3º do artigo 201, determinou que as comunicações possam ser feitas a ele, caso assim opte, no seu endereço eletrônico. Bem como, as últimas modificações legislativas, neste aspecto, não só pretenderam guardar comodidade para vítima, senão acautelar, também, sua privacidade, ao prevê espaço reservado para ela antes do início da audiência, espaço que o juiz deve providenciar para não permitir constrangimentos com o réu ou com as testemunhas. O magistrado, ademais, antes mesmo de iniciar a audiência, deverá velar por esse direito à privacidade, não permitindo que a vítima seja ouvida na presença do réu quando verificar a possibilidade de humilhação, temor ou grave constrangimento para aquela. Deverá, neste caso, proceder com a inquirição por videoconferência, ou, não sendo possível, determinará a retirada do réu da sala, conforme dispõe a nova redação do artigo 217 do CPP. 

   
O avanço legislativo atinente ao resguardo, durante o processo, dos direitos da personalidade da vítima tem uma significação importante na medida em que postula evitar, ou, no mínimo, minimizar a chamada vitimização secundária, decorrente das próprias instituições do sistema penal, da percepção de maltrato pela própria vítima produzida pelo formalismo jurídico que revela(va) insensibilidade e desinteresse no decorrer do processo.